POEMAS IBÉRICOS (43) INMACULADA LERGO

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INMACULADA LERGO (Sevilha, 1957) é escritora, crítica literária e editora. Depois de estudar Geografia, História e Filologia, doutorou-se em Filologia Hispânica. Foi professora na Universidade de Sevilha e na Universidade de Piura, no Peru, e é membro correspondente da Academia Peruana da Língua desde 2013. É especialista em literatura hispano-americana, com especial ênfase na poesia, bem como nos conceitos de antologia e cânone literário, com várias publicações e edições dos escritores peruanos César Vallejo, Carlos Germán Belli, Rosa Arciniega e Magda Portal e, entre outros, da argentina Olga Orozco. Publicou a coletânea de poesia El cuerpo del veneno (2020), alguns dos seus poemas foram traduzidos para alemão, o volume epistolar de autoficção El silencio de las jacarandas (2023) e outros textos criativos em antologias e revistas. É directora da revista Entorno Literario e codiretora de Mediodía. Revista hispánica de rescate. Colabora com Clarín, Sibila, Palimpsesto, bem como com "Los Lunes" do jornal digital elimparcial.es, entre outros. Fez parte do júri de vários prémios literários, entre os quais o Prémio Cervantes de Literatura (2014).

 

 


 

CORAZA

 

                    A María Jesús Casermeiro

 

Cría Coraza el cuerpo del veneno

de los días, del mal

que nuestro pie descarga sin remedio

de la plebeya hormiga hasta el soberbio

cielo, coraza del dolor inmenso

de los hombres que luchan bajo un agua

que los dioses remueven sin concierto,

del fuego cotidiano que mantiene

su carne puesta al horno, aun sabiendo

que vence la derrota.

 

                                  Y al resguardo

de esa cáscara amiga, no hay revuelo

de pájaros que canten esperanza,

ni se eriza la piel con el silencio

tras la nota precisa de una viola,

ni el olor del jazmín es ya consuelo.

 

Lo mejor será entonces no negarnos

que nada somos ya sino veneno,

un picor en la piel de nuestro hermano.

 

COURAÇA

 

                    Para María Jesús Casermeiro

 

Couraça gera o corpo do veneno

dos dias, do mal

que o nosso pé descarrega sem remédio

desde a formiga plebeia até ao soberbo

céu, couraça da dor imensa

dos homens que lutam sob a chuva

que os deuses agitam sem concerto,

do fogo quotidiano que mantém

a sua carne assada no forno, mesmo sabendo

que a derrota vence.

 

                                        E no abrigo

dessa casca amiga, não há o remexer

de pássaros cantando a esperança,

nem a pele se arrepia de silêncio

por detrás da nota exacta de uma guitarra,

nem o perfume do jasmim é mais consolo.

 

O melhor então é não negarmos

que não passamos de veneno,

uma picada na pele do nosso irmão.

 

 

 

 

 

 

RESPUESTA A MANUEL GARCÍA

 

Por dibujar el filo de mi sombra

y no sentirme raramente extraña,

y la palabra no se quede sola,

y no ser sola yo con mi garganta,

porque me hace feliz, porque me duele

y lloro sin querer, porque empapada

quiero tener la piel de otras verdades,

y seca la razón, y agria mi almohada

de vallejos, daríos, federicos,

macondos, utopías y comalas,

reyertas de quijotes y de sanchos,

arroyos y silencios, mar y fraguas...

Porque no falte sangre en el veneno,

porque me quiero ahogar en esas aguas...

 

Mientras mira su copa de aguardiente,

¿por qué escribes?, mi amigo me pregunta,

se cala su sombrero, y luego calla.

RESPOSTA A MANUEL GARCIA

 

Para desenhar a linha da minha sombra

e não me sentir raramente estranha,

e a palavra não fique só,

e não ser só eu com a minha garganta,

porque me faz feliz, porque me dói

e choro sem querer, porque empapada

quero ter a pele de outras verdades,

e seca a razão, e azeda a minha almofada

de vallejos, daríos, federicos,

macondos, utopias e comalas

brigas de quixotes e de sanchos,

arroios e silêncios, mar e fragas…

Para que não falte sangue no veneno,

porque me quero afogar nessas águas…

 

Enquanto olha o seu copo de aguardente,

por que escreves?, pergunta-me o amigo,

põe-se o seu chapéu, e logo se cala.

 

 

 

 

 

 

Entre las páginas

 

                        también tú diste vida

a fantasmas de tinta y de papel:

tu propia vida.

Javier Almuzara

 

La tinta entre los dedos,

el libro que florece u otoñea,

las voces sin materia…

eso he querido ser.

Moverme en ese espacio

acusado de falso y de embustero,

de evadirse del cieno inapelable

y concreto del mundo tan real,

tan cierto e innegable.

No alimentarme de

esa sopa revuelta y despiadada

que es la vida.

 

Pero ello me hace libre.

 

Libre

 

en mi cárcel de papel.

 

Déjame pues

la discordancia de estas líneas,

la vanidad de estar en el poema.

Sin la credulidad de lo imposible

seré un pez que boquea

sobre la tierra seca.

 

Levanté mi refugio sin rencores

viendo la luz girar

burlona, esquiva…

Las sombras duermen bajo mi regazo

y solamente alivian

esas palabras que hablan si las piso

y cubren

mi desnudez

entre las páginas.

 

(inédito, 2024)

 

ENTRE PÁGINAS

 

Também tu deste vida

a fantasmas de tinta e papel:

a tua própria vida.

JAVIER ALMUZARA


A tinta entre os dedos,

o libro que floresce ou outonesce,

as vozes sem matéria…

esse que quis ser.

Mover-me nesse espaço

acusado de falso e de embusteiro,

de se evadir do lodo inapelável

e concreto do mundo tão real,

tão certo e inegável.

Não me alimentar

dessa sopa revolta e sem piedade

que é a vida.

 

Mas isso liberta-me.

Libre

no meu cárcere de papel.


Deixa-me pois

a discordância destas linhas,

a vaidade de estar no poema.

Sem a credulidade do impossível

serei um peixe que sufoca

sobre a terra seca. 

 

Construí o meu abrigo sem rancores

vendo a luz girar

zombadora, esquiva…

as sombras dormem no meu regaço

e só aliviam

essas palabras que falam se as piso

e cobrem

a minha nudez

entre as páginas.

 

 (inédito, 2024)

 

© ilergo

© Traduçao dos poemas pelo Manuel Silva-Terra, fevrereiro, 24

 


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