POEMAS IBÉRICOS 67- POEMAS DE MINÊS CASTANHEIRA
© Alfredo Cunha
MINÊS CASTANHEIRA (Porto, 1983) é fundadora do Bairro dos Livros, ao lado de Catarina Rocha, onde desenvolve o seu trabalho literário, mas também artístico e criativo transdisciplinar.
Autora de quatro livros
de poesia,
foi Prémio Jovens Escritores em 2005. Participa em edições coletivas, revistas
e antologias em Portugal e em Espanha. É também coautora dos Mapas dos Livros,
Guias Literários criados pelo Bairro dos Livros, que têm mapeado o património
cultural de vários territórios do país (Porto, Penafiel, Baião, Póvoa de
Varzim,Matosinhos, Évora). Licenciada em Jornalismo e Ciências da Comunicação
pela UPorto, épós-graduada em Comunicação e Gestão Cultural pela Universidade
Lusófona e estudou Literatura Comparada na UPorto. O seu último livro de poesia
"No princípio era a dança",
foi publicado em 2022 pela Fresca, chancela editorial da Poetria.
A
noite ganhando espaço, rodando inteira,
esticando os dedos no esfumado.
Agora tudo se confunde e se estreita, caindo
sob a claridade delimitada
para o interior de um sítio novo no mundo.
No poema ficou o mais secreto.
Como se eu varresse para dentro de mim
silenciosamente
todas as coisas da casa.
*
La noche gana espacio, girando entera,
estirando los
dedos en el ahumado.
Ahora todo se
estrecha y se difumina, cayendo
bajo la claridad
delimitada
hacia el
interior de un lugar nuevo en el mundo.
Queda en el
poema lo más secreto.
Como si barriese
para dentro de mí
silenciosamente
todas las cosas
de la casa.
*
Nada escolhemos,
sequer porto,
urgência, mágoa. Somos
umas vezes sede, outras
águas da ânfora de que houve
renúncia. Acordemos
esta vigília à
vez, não vá uma de nós deixar
de
comparecer ao cais do desencontro. Se
tivesse de escolher, teria escolhido
as coisas simples: uma
barriga de centeio, um
amor com trevo e sem treva, perder
também os cabelos de
Dalila mas
salvar da navalha o coração. Conto
ainda as marés, hipérbole
do falso tormento - nem
essas escolhemos. Não
nos peçam afogamento: o
oceano inteiro não chegaria. Embalo
esta criança, enquanto
o verso não
me faz margem. Que
sim, há sempre um poema de Eugénio à nossa espera, mas
faltou-lhe o ser mulher. E
a coragem. Por
isso, às companheiras do
caminho demasiadas vezes
percorrido os
degraus do sono ofereço
por agora. Nem
o mar é para sempre nem
a solução se demora, a
barca na mão que escreve é
já um começo e é hora. |
Nada elegimos, ni
siquiera el puerto, la urgencia, la pena. A veces tenemos sed, otras somos agua del ánfora a la que se renunció. Despertemos de esta vigília por turnos no sea que uno de nosotros falle llegue al muelle del desajuste. Si tuviera que elegir, yo elegido las cosas sencillas: un vientre de centeno, un amor con trébol y sin trébol, perder el pelo de Dalila pero salvar su corazón de la navaja. Sigo contando las mareas, hipérbole de falso tormento - ni siquiera las elegimos. No nos pidas que nos ahoguemos: todo el océano no sería suficiente. Acuno a este niño mientras el verso no me abandona. Sí, siempre hay un poema de Eugenio esperándonos, pero le faltó saber ser mujer. Y el coraje. Así que, a las compañeras del camino demasiadas
veces recorrido los pasos del sueño les ofrezco por ahora. No es el mar para siempre ni la solución se demora el barco en la mano que escribe es ya un comienzo y es hora. |
De Irmãs de maio
O sol acaricia o grosso cobertor de areia, deita
o
horizonte na distância do que se sabe nomear.
Aquietam-se
os humores infantis sob o privilégio
da
linguagem: sabe-se o nome, há a sopa,
conhece-se
o lume do que há-de ficar.
Agustina
sabia-o.
É
a menina quem toma a onda da própria corda
encontrando
na paisagem a forma que ela já tinha.
O
lume apaga-se, os filhos gritam,
a
sopa vai por fora.
Mas
é a poesia a mesma de outrora.
Era
a mulher que redimensionava a paisagem.
Sobrava
o que a seguir se perdia, quando
outra
além se cumpria, vigiadas as leis da terra
e
do mar. A sopa apaga-se, a sopa paga-se.
Se
uma outra além se permitia era apenas
porque
entre o mapa e o território que havia,
a
onda se serviria de nós e a ninguém se devia.
Era
bom. Era bom que valesse a pena,
que
os filhos vão por fora, o lume apaga-se.
Dobra-se
o destino da que se desdobra por destino,
figura
vertical erguida à superfície do poema.
Os
santos pagam-se, as mães choram.
No
futuro, rezar-se-á ao que tiver de ser mas,
a
fazer fé na tradição,
a
primeira libertação é dos deuses,
A
segunda é por conta do alvoroço da cidade,
mais
légua, menos légua desmedida.
Em
casa antes de se perder o caminho para
se
chegar a casa:
escrevendo
para dominar o espanto
e
escrevendo para esquecer o amor
e
escrevendo para enganar o terror,
restam
três tigelas almoçadeiras.
A
sopa grita, o lume vai por fora.
Automóveis
a repetir o asfalto, então,
a
menina regressa aos lugares da província,
subtraindo
dobras à transparência das saias,
a
contracapa coberta a negro espalto.
Jovem
instruída, tornozelo descalço, meia cerzida,
gola
engomada. Meia onda domada.
Os
filhos gritam, os filhos gritam em suas sobras.
Madrugada
adentro, a estender o peito de amanhã
há
sempre rostos em falta sob o candeeiro aceso.
É
tanta a luz, já se perdeu quase tudo.
É
tanta a noite, já se guardou quase tudo.
A
solidão não foi feita pelas mulheres.
A
felicidade não foi feita para as mulheres.
As
mulheres gritam. A poesia vai por fora,
há
sopa na mesma.
Cuenta corriente
El sol acaricia el espeso manto de arena, tiende
el horizonte en la lejanía de lo que no sabe nombrar.
El humor de los niños se calma bajo el privilegio
del lenguaje: se sabe el nombre, hay sopa,
se conoce el fuego de lo que quedará.
Agustina lo sabía.
Es la niña que toma la onda de su propia cuerda
encontrando en el paisaje la forma que ya tenía.
El fuego se apaga, gritan los hijos,
la sopa se desborda-
Pero la poesía es la misma de antes.
Fue la mujer quien remodeló el paisaje.
Lo que sobraba se perdia cuando
Más allá se cumplía las leyes de la tierra
y el mar. La sopa sale, la sopa se paga sola.
Si se permitió otro más allá, fue sólo
porque entre el mapa y el territorio había
la ola se aprovecharía de nosotros y a nadie se le debía.
Era bueno. Era bueno que valiera la pena,
Que los niños salieran, el fuego se apaga.
El destino desplegado por el destino que se desdobla,
figura vertical erguida en la superficie del poema.
Los santos se pagan, las madres lloran.
En el futuro, rezaremos a lo que tiene que ser, pero
poniendo fe en la tradición,
la primera liberación se debe a los dioses,
la segunda se debe al alboroto de la ciudad,
más leguas, menos leguas desmedidas.
En casa antes de perder el camino
para llegar a casa:
escribiendo para dominar el asombro
y escribiendo para olvidar el amor
y escribiendo para engañar al terror,
quedan tres tazones de comida.
La sopa grita, el fuego se extiende.
Los coches repiten el asfalto, entonces,
la chica vuelve a los lugares de la provincia,
restando pliegues a la transparencia de sus faldas,
la contraportada cubierta de espata negra.
Joven educada, tobillo desnudo, medias zurcidas,
cuello almidonado. Media ola domada.
Los niños gritan, los niños gritan en sus sobras.
Amanece, estirando el pecho del mañana
siempre faltan rostros bajo la lámpara encendida.
Hay tanta luz que casi todo se perdió ya.
Y tanta noche, que casi todo se ha salvado ya.
La soledad no se hizo para las mujeres.
La felicidad no se hizo para las mujeres.
Las mujeres gritan. La poesía se desborda,
tiene sopa dentro.
puxando
os filhos para terra pela corda,
um
a um, menos os que a paisagem reclamou.
O
lume apaga-se, os filhos gritam,
a
sopa vai por fora.
Na
borda do prato, há cascas de coração, búzio
de
trazer com cuidado ao ouvido. Foi lá que
o
que se perdeu
se
encontrou até ao fim dos tempos.
O
lume grita, os filhos apagam-se.
Onde
Deus? Onde Deus, agora?
Outra
substância ocupa o seu lugar de escrita.
A
menina encerra por fora, o suficiente.
A
mulher corre por dentro, há-de rasgar.
Reverte-se
o simbólico numa ordem imaginária.
Repete-se
o pranto como numa canção.
Sopa,
lume, filho, ampulheta de vento,
roletas
de trazer ao colo, variação em ponto cruz
sobre
o mesmo tema. Com caldos de escamas
reduz-se
o canto da sereia à solidão.
Feitas
as contas de pérola, o livro foi cinema
e
será livro o cinema,
nos
quatro cantos da onda emoldurada a todo
o
redor. Agustina escreveu-o.
Contra
os rostos dos amigos, naquele tempo,
enlouquecia-se
o aparo na resistência da língua
e
só a lucidez era condenável.
Levanta-te,
onda domada, já te serviste da contradição.
Não
cabe a mulher paisagem
no ruído do entendimento.
Se
alguém entrar hoje água adentro,
que
seja para a escrever.
Eu
desejo que, no seu regresso, seja só dela o ser
menina.
Que faça dançar no sal as saias
em
balão, que perca anéis em risos
de
afundar navios, que negue o nome ao medo.
Que
não haja rocha onde a pele aderir.
Que
recolha, grão a grão, pérolas de areia fina
para
a conta-corrente que desagrilhoa a vida.
Igual
com os homens, fatal com a sina.
Que
solte gaivotas pela boca.
Porque,
quando a fome se apaga no lume da frase,
é
só para ela que não há sopa
e
já não tem utilidade o horizonte sofrido
em
silêncio.
Havendo
mar, é pegar ou largar.
O
lume apaga-se, os filhos gritam, a sopa vai por fora,
e
é poesia na mesma.
tirando de sus hijos hacia la orilla por la cuerda,
uno a uno, excepto los que el paisaje ha reclamado.
El fuego se apaga, los niños gritan,
la sopa se acaba.
En el borde del plato, hay conchas de corazón, buccinos
para llevar con cuidado al oído. Ahí está
lo que se perdió
se encontró hasta el fin de los tiempos.
El fuego grita, los niños salen.
¿Dónde Dios? ¿Dónde está Dios ahora?
Otra sustancia ocupa su lugar en la escritura.
La chica se encierra lo suficiente por fuera
La mujer corre por dentro, se desgarrará.
Lo simbólico se invierte en un orden imaginario.
El grito se repite como una canción.
Sopa, fuego, niña, reloj de arena de viento,
ruletas para llevar, variaciones en punto de cruz
sobre el mismo tema. Con caldos de escamas
el canto de la sirena se reduce a la soledad.
Una vez hechas las cuentas de perlas, el libro fue cine
y el cine será libro,
en las cuatro esquinas de la ola enmarca todo
alrededor. Agustina lo escribió.
Contra las caras de
y el cine será libro
en las cuatro esquinas de la ola enmarcado todo alrededor
todo alrededor. Agustina lo escribió.
Contra los rostros de sus amigos de entonces,
era enloquecedor mordisquear la resistencia de la lengua
y sólo la lucidez era condenable.
Levántate, ola mansa, que ya está bien de
contradicciones.
La mujer paisaje no encaja
en el ruido del entendimiento.
Si alguien entra hoy en el agua,
que sea para escribirlo.
Deseo que, a su regreso, sólo sea ella para ser
una niña. Que haga bailar sus faldas en la sal
en globos, que pierda sus anillos entre risas
para hundir barcos, para negar el nombre al miedo.
Que no haya roca a la que su piel se adhiera.
Que recoja, grano a grano, perlas de arena fina
para la cuenta corriente que desenreda la vida.
Igual con los hombres, fatal con el destino.
Que vuelen gaviotas por su boca.
Porque cuando el hambre se apaga en el fuego de una
sentencia
sólo es para ella no tenga sopa
y el horizonte doliente ya no sirve
en silencio.
Si hay mar, se toma o se deja.
El fuego se apaga, los hijos gritan, la sopa se desborda,
y sigue siendo poesía.
Comentarios
Publicar un comentario